“Vereador das bicicletas” quer combater cultura “carrocêntrica”

Bicicletas vermelhas de MDF no lugar dos tradicionais cavaletes, passeios ciclísticos ao invés de caminhadas com eleitores: essa foi a campanha a vereador de Marcelo Sgarbossa, ciclista e militante do transporte sustentável eleito pelo PT com 5723 votos. Na Câmara Municipal de Porto Alegre, Sgarbossa, no entanto, não ficará restrito somente às bicicletas, as hortas comunitárias e a avaliação de políticas públicas também fazem parte de seus principais projetos.
bicicleta, Marcelo Sgarbossa, vereador, Foto: Janaína Marques
Oficina comunitária onde Sgarbossa e outros ciclistas tentam “desenvolver a cultura da bicicleta”
Na chegada, em uma tarde chuvosa, o vereador eleito surpreende a reportagem: o militante da bicicleta veio de automóvel. “Já me culpei por andar de carro, mas isso passou. Hoje de manhã, por exemplo, saí de bicicleta e me molhei”, redimiu-se.
A entrevista tem lugar em uma oficina comunitária onde ele e outros ciclistas tentam “desenvolver a cultura da bicicleta”. Lá, Sgarbossa guardava os “Marcelitos”, nome dado pelos militantes a sua peça de campanha mais famosa: bicicletas vermelhas de MDF com o nome e o número do candidato que foram espalhadas pelas principais avenidas da cidade e que, segundo o próprio, foram a grande “sacada” das eleições. “Muita gente soube da minha candidatura através dos Marcelitos, em 2008, quando também havia me candidatado, fiz bem menos votos: 2267”, relata.
A diferença entre o resultado do último pleito e 2008, porém, não pode ser creditada somente à publicidade. “Nesse intervalo, o ciclismo, bandeira que já defendia, cresceu muito. De lá pra cá, tivemos o início dos protestos do coletivo Massa Crítica, o atropelamento de ciclistas na Cidade Baixa e a inauguração de um pequeno trecho da ciclovia da avenida Ipiranga. São acontecimentos que dão visibilidade à causa”, explica.
bicicleta, Marcelo Sgarbossa, vereador, Foto: Janaína Marques
As famosas bicicletas vermelhas de MDF com o nome e o número do candidato foram apelidadas de s “Marcelitos”
A ligação de Sgarbossa com o ciclismo, entretanto, é bem mais antiga. Natural de Lagoa Vermelha(RS), ele deu suas primeiras pedaladas em competições em 1987. “Fui campeão brasileiro e venci a Volta de Santa Catarina, uma das maiores provas do país. Isso foi em 1992, quando me profissionalizei, com 17 anos”, recorda. Em 1993, o esporte leva o vereador eleito à Itália, onde estavam os grandes nomes da modalidade. A experiência, porém, termina quatro anos depois, em 1997. “Naquela época, as regras de doping no ciclismo ainda não estavam claras e a maior parte dos profissionais de alto nível fazia uso de substâncias proibidas. Eu não concordava com aquilo, então deixei o esporte”, lamenta.
A passagem pela Europa, no entanto, também foi importante na visão política de Sgarbossa. “Lá, vi que as coisas poderiam ser diferentes e que a pobreza não é algo natural. Rompi com um determinismo que cultivava aqui no Brasil de que a realidade é assim porque tem de ser e não há possibilidade de alterá-las”, conta o petista que,ainda criança, acompanhava o pai, que “sempre foi de direita”, nos comícios do extinto PDS, partido que representava os interesses do antigo ARENA, legenda defensora da Ditadura Militar.
Na volta ao Brasil, o ciclista profissional de aposentadoria precoce inicia a Faculdade de Direito, e, junto com ela, inicia seu engajamento político, primeiro no movimento estudantil e, posteriormente, na luta pelos direitos humanos com detentos da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (FASE) e ocupações urbanas. “Me formei em 2003, quando já era um militante convicto dos direitos humanos. No PT, ingresso em 2005, uma semana após o estouro do Mensalão, que, apesar de tudo, não me faz voltar atrás, pois aquela era uma decisão amadurecida, não era algo passional”, salienta.
Na Câmara, Sgarbossa integrará a bancada de oposição ao governo municipal. Para ele, a lógica do transporte em Porto Alegre deve ser alterada. “Não acho que uma cidade pensada para os automóveis seja bonita. É necessário discutir com a população essas questões, não apenas privatizar ou sair construindo sem consultar ninguém”, defende. Em relação aos investimentos em ciclovias, ele não poupa críticas à atual administração. “A Prefeitura não dialoga conosco (ciclistas). A ciclovia da Ipiranga, por exemplo, vai obrigar a pessoa trocar de margem várias vezes ao longo de todo o seu trajeto. E se fosse algo realmente pensado, teria sido feito na faixa da direita, que é onde costumamos andar. No entanto, se assim fosse, seria necessário retirar espaço dos automóveis, algo que a cultura ‘carrocêntrica’ não permite”, afirma.
bicicleta, Marcelo Sgarbossa, vereador, Foto: Janaína Marques
Sgarbossa integrará a bancada de oposição ao governo municipal
E o que seria o ‘carrocentrismo’? “É a atribuição de status em decorrência do carro, o estímulo de comportamentos que valorizem o automóvel em detrimento do contato humano”, explica. Sgarbossa, todavia, faz questão de esclarecer que não há rivalidade em seu discurso. “Não existe luta de classes entre ciclistas e motoristas”, garante.
O petista, porém, não fica preso às bicicletas e possui propostas em outras áreas. “Meu mandato terá como prioridade as zonas periféricas, quero implementar hortas comunitárias e novos canais de participação direta, algo além do Orçamento Participativo”, anuncia. Afora isso, Sgarbossa pretende permitir aos cidadãos que avaliem a eficácia das políticas públicas. “Após um ano da implementação de uma lei, a sociedade analisaria seus resultados e a discutiria”, propõe o que seria seu grande projeto como vereador.
Na Câmara atual, lamenta o distanciamento da população. “Acho que parte dos representantes de movimentos sociais se afastaram e isso fez com que o legislativo municipal perdesse energia e legitimidade”, acredita. No entanto, saúda medidas tomadas que caminhem na direção da desprofissionalização da política. “Gostei quando os vereadores reduziram a verba de publicidade dos gabinetes. Acho que é algo importante, dá pra enxugar bastante esse tipo de despesa e poupar dinheiro público”, avalia.
Na cidade, aponta a abertura de espaços para automóveis como um grande problema. “Estrangula o trânsito da cidade e ainda por cima gera mais poluição”, lamenta. Quando questionado sobre um projeto hipotético que gostaria de executar, ainda que estivesse fora do seu alcance como vereador, o ciclista dá as caras novamente. “Queria poder colocar em prática o Plano Diretor Cicloviário de Porto Alegre, que nos deixaria com 495km de ciclovias. É um sonho distante”, finaliza.